Cenario Rural

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Entrevista: Cerrado – que bioma é esse?

No dia 11 de setembro comemora-se o Dia Nacional do Cerrado, um dos biomas mais ricos e antigos do planeta, com mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas e mais de 2,5 mil espécies de animais, entre aves, mamíferos, répteis, anfíbios e peixes. O Cerrado é também considerado o berço das águas no Brasil, onde estão as nascentes das maiores bacias hidrográficas do país.

Para marcar a data, a Agência Brasil prepara uma série de quatro reportagens que serão publicadas até o dia em que se celebra o bioma. O tema da segunda reportagem é conhecer para preservar. Em entrevista exclusiva, o biólogo e doutor em botânica pela Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Kuhlmann fala sobre os segredos do Cerrado. Atualmente ele é consultor na Embrapa Cerrados, na área de conservação e manejo de recursos naturais e autor do projeto Frutos Atrativos do Cerrado.

Marcelo Kuhlmann - biológo e doutor em Botânica pela UnB.
Marcelo Kuhlmann – biológo e doutor em Botânica pela UnB. – Acervo Pessoal/ Marcello Kuhlmann

Agência Brasil: Na sua opinião, o Cerrado é tão valorizado quanto a Amazônia e a Mata Atlântica?
Marcelo Kuhlmann: Infelizmente a biodiversidade do Cerrado ainda é muito pouca conhecida pela população brasileira em geral, e esse desconhecimento gera desvalorização. De fato, muitas pessoas não sabem reconhecer nem mesmo as espécies mais comuns de plantas e animais nativos. O Cerrado, juntamente com a Caatinga, ainda não é considerado Patrimônio Nacional pela nossa Constituição, o que dificulta os processos para impedir o seu desmatamento e ocupação irregular. Os holofotes internacionais estão voltados para a preservação da Amazônia, principalmente por conta das mudanças climáticas, e o Cerrado é visto como o “celeiro do mundo”. A Legislação de Proteção da Vegetação Nativa (novo código florestal, 12.651, de 25 de maio de 2012) estabelece que imóveis rurais localizados na Amazônia devam preservar até 80% da área, enquanto que no Cerrado essas áreas de preservação correspondem a apenas 20% da área da propriedade. Porém, sem a vegetação nativa do Cerrado muitas nascentes e cursos de água que alimentam as bacias dos rios amazônicos poderão secar, trazendo consequências ambientais desastrosas para todo o Brasil. O Cerrado, por sua localização geográfica central, representa um elo entre os diversos biomas brasileiros, o que gera influências na biodiversidade e no clima do país.

Agência Brasil: Quais são os principais segredos do Cerrado?
Kuhlmann: O Cerrado é um dos biomas mais ricos e antigos do planeta, com mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas e mais de 2,5 mil espécies de animais, entre aves, mamíferos, répteis, anfíbios e peixes. O Cerrado é também considerado o berço das águas no Brasil, onde estão as nascentes das maiores bacias hidrográficas do país. O território do Cerrado apresenta ainda grande importância para produção de alimentos no país e também é lar de inúmeras comunidades e povos tradicionais, representando um patrimônio genético e cultural da humanidade. Dessa forma, o Cerrado possui valor ambiental, econômico e social e é importante entendermos que esses três pilares são interdependentes e precisam estar equilibrados se queremos continuar coexistindo neste bioma.

Agência Brasil: O que é preciso ser feito para valorização e preservação do Cerrado?
Kuhlmann: Eu acredito que o primeiro passo para conservar o Cerrado é conhecê-lo. Conhecer as suas espécies, as relações ecológicas, sua importância ambiental, as comunidades e povos tradicionais, as plantas úteis com potencial econômico, enfim, aprender a viver de forma sustentável nesse bioma que é um dos mais ricos e antigos do planeta. Para o Cerrado ser conservado ele precisa ser valorizado nas escalas ambiental, social e econômica, incluindo o ser humano como parte do ecossistema. Isso envolve a participação da população como um todo, desde pesquisadores, produtores rurais, instituições, tomadores de decisão e consumidores. Devemos ser a mudança que queremos ver no Cerrado.

Alto Paraíso de Goiás (GO) - Espécie de cacto presente no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) – Espécie de cacto presente no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros – Marcelo Camargo/Agência Brasil

Agência Brasil: Por que escolheu o Cerrado para se especializar?
Kuhlmann: Sou apaixonado pela biodiversidade do Cerrado e pesquiso interações ecológicas entre plantas e animais nativos no bioma. Animais que se alimentam de frutos realizam dispersão de sementes e sustentam os ciclos de regeneração natural de grande parte das espécies florestais do mundo. Para o Cerrado brasileiro, cerca de 70% das espécies arbóreas produz frutos carnosos que são consumidos pela fauna e quase 50% das aves e mamíferos do bioma se alimenta de frutos. Dessa forma, a biodiversidade em biomas como o Cerrado depende da conservação e também da restauração dos processos ecológicos de dispersão de sementes e interações planta-animal. O bioma Cerrado é formado por três formações principais: florestas, savanas e campos. Entre essas formações, as florestais possuem o maior número de espécies de frutos carnosos e também de animais frugívoros. Entender o processo ecológico da dispersão de sementes pode ajudar a prever fatores ambientais necessários para a reprodução e sobrevivência da vegetação nativa. Para o Cerrado, quase 4 mil espécies de plantas, distribuídas em 400 gêneros, produzem frutos atrativos para fauna e dela depende para sustentar os seus ciclos reprodutivos. Para mim é um grande prazer estudar este belo e diverso bioma.

Pequi
O pequi é um fruto do Cerrado bastante usado na gastronomia regional – centraldocerrado/divulgação

Agência Brasil: Como você criou e desenvolveu o projeto Frutos Atrativos do Cerrado?
Kuhlmann: Baseada na ideia de “conhecer para valorizar”, a coleção dos livros sobre Frutos do Cerrado foi elaborada ao longo de mais de 10 anos de pesquisa e andanças pelo Cerrado brasileiro. Os volumes I e II da obra Frutos e Sementes do Cerrado: espécies atrativas para fauna tratam-se de guias de campo ricamente ilustrados para identificação de espécies da flora e da fauna nativa do bioma Cerrado. Abordam mais de 500 espécies de frutos do Cerrado e de animais frugívoros, documentados em mais de 3 mil fotografias. Já o livro Frutos do Cerrado: 100 espécies atrativas para Homo sapiens representa um guia de coleta para os frutos comestíveis mais comuns do bioma, organizados pelo seu mês de maturação. O guia de Aves do Cerrado representa espécies visitantes em uma área em recuperação no DF, que foi fruto de consultoria que dei pela Embrapa em uma de suas áreas experimentais para avaliar se os plantios com espécies nativas estavam atraindo aves e outros animais potenciais dispersores de sementes, uma vez que a fauna é essencial para dar continuidade aos ciclos de regeneração natural da vegetação.

Agência Brasil: Você acredita que a gastronomia é uma das oportunidades para aproximação e valorização do Cerrado?
Kuhlmann: Desde que lancei os meus livros sobre frutos do Cerrado diversas pessoas da área da gastronomia têm feito contato comigo, embora esse não seja o foco principal da minha pesquisa. A gastronomia é uma excelente porta de entrada para valorização e inclusão da biodiversidade do Cerrado no cotidiano das pessoas. Comer é um ato político e agrário, e influencia toda a dinâmica da cadeia de produção e economia de um país. Inserir frutos do Cerrado no cardápio do brasileiro é umas das formas de agregar valor ao bioma, mantendo o Cerrado em pé e incentivando o plantio de espécies nativas. Os produtores rurais querem produzir alimento e gerar renda e para isso precisam de um mercado consumidor. Então as pessoas precisam conhecer esses ingredientes e se interessar pelos produtos que o Cerrado tem a oferecer. A espécie Homo sapiens é uma peça integrante da história evolutiva no planeta Terra e vem contribuindo para a seleção de espécies vegetais de seu interesse desde tempos primordiais. Estima-se que das 4 mil espécies atrativas para os animais que ocorrem no bioma, cerca de mil espécies frutíferas apresentam potencial para consumo humano, com polpa palatável para nós. Assim, depende de nós saber valorizar nossa rica biodiversidade, para que isso possa trazer benefícios para a sociedade como um todo e para a conservação do Cerrado em pé.

Fonte:Agência Brasil

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