No epicentro da nova geopolítica agroalimentar, Brasil vira prioridade da estratégia chinesa de segurança alimentar e sustentabilidade. Expansão foi anunciada durante cúpula bilateral em Xangai.
Brasil como Pivô Estratégico da Segurança Alimentar Chinesa
Durante o Summit Valor Econômico Brazil-China 2025, realizado nos dias 22 e 23 de abril em Xangai, as empresas estatais chinesas Cofco e Citic anunciaram um plano robusto de expansão dos investimentos no agronegócio brasileiro. A iniciativa reforça a aliança sino-brasileira como eixo estratégico em meio à intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, com tarifas que ultrapassam 245% e ameaçam a estabilidade do comércio agrícola global.
Segundo executivos presentes no evento, os aportes chineses no Brasil passarão a se concentrar em três frentes principais:
- Ampliação de centros logísticos e infraestrutura portuária no Arco Norte;
- Inovação e pesquisa agroambiental voltadas para rastreabilidade e baixa emissão de carbono;
- Financiamento de cooperativas e produtores familiares, com foco em inclusão e segurança alimentar.
Cofco Duplica Capacidade Operacional no Cerrado e Norte
A Cofco, maior empresa estatal de alimentos da China, já possui estrutura relevante no Brasil, mas anunciou a duplicação de sua capacidade de armazenamento em estados como Mato Grosso, Goiás e Maranhão. Parte dos recursos será destinada à construção de novos terminais ferroviários conectados à Ferrovia Norte-Sul e à modernização de centros de transbordo em portos como Itaqui (MA) e Barcarena (PA).
A empresa também anunciou um fundo de US$ 1,2 bilhão para financiar cadeias produtivas de soja e milho com rastreabilidade ambiental certificada. Isso inclui a implementação de sistemas de blockchain, drones de monitoramento florestal e selos digitais de origem.
Citic mira fertilizantes, sementes e biotecnologia verde
Já o Citic Group — conglomerado que reúne bancos, mineradoras e empresas de tecnologia — sinalizou entrada agressiva em três nichos: biofertilizantes, sementes adaptadas a regiões de baixo regime hídrico e biotecnologias para controle biológico de pragas. Um dos projetos inclui a construção de um centro de pesquisa em Paragominas (PA) em parceria com universidades brasileiras e o uso de IA para prever riscos climáticos e adaptar o manejo das lavouras.
A intenção chinesa é clara: reduzir a dependência de fornecedores norte-americanos e europeus, substituindo gradualmente insumos convencionais por soluções com menor pegada de carbono.
Brasil em Posição Ambivalente: Oportunidade e Risco
Se por um lado os investimentos chineses são vistos como bem-vindos — principalmente em um momento de juros altos e escassez de crédito no Brasil —, por outro especialistas alertam para a assimetria nas relações comerciais e o risco de dependência tecnológica.
O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues avalia que “o Brasil precisa estruturar um marco regulatório que proteja sua soberania tecnológica, sem inibir os investimentos”. Já a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) defende a criação de uma autoridade bilateral permanente para regular contratos, garantir a transparência dos investimentos e monitorar práticas ambientais.
Nova Rota da Soja: Pequim Envia Recado a Washington
Com o aumento das tarifas sobre grãos americanos e a suspensão de acordos sanitários entre EUA e China, Pequim reforça a substituição de fornecedores estratégicos. O Brasil deve atingir um novo patamar nas exportações de soja, milho e carne bovina para a China — agora sob contratos de longo prazo e cláusulas de estabilidade política.
Analistas internacionais veem esse movimento como a consolidação de uma “nova rota da soja”, em que a China diversifica parceiros comerciais para fugir da volatilidade geopolítica e climática dos tradicionais corredores do Hemisfério Norte.
Hora do Brasil Exercer Protagonismo com Autonomia
O pacote de investimentos anunciado pela China no agro brasileiro é, ao mesmo tempo, uma resposta à instabilidade global e um teste à maturidade institucional do Brasil. Transformar essa oportunidade em desenvolvimento duradouro exigirá mais do que diplomacia econômica: será necessário planejamento, legislação inteligente e protagonismo soberano.
Fontes: Valor Econômico, CNA, Cofco Brasil, Ministério da Agricultura, Embaixada da China no Brasil, Summit Brazil-China 2025, South China Morning Post, Bloomberg Agro