Nova era de isolacionismo, tarifas agressivas e política externa imprevisível gera ondas de instabilidade em alianças históricas e abre espaço para nova configuração geopolítica liderada por potências emergentes.
Cem Dias, Cem Choques: A Estratégia de Trump 2.0
Donald Trump completou neste final de semana seus primeiros 100 dias de um segundo mandato que já está transformando profundamente o cenário internacional. A aposta em uma abordagem ainda mais dura de “America First” vem desafiando alianças tradicionais, redesenhando fluxos comerciais e expondo as fragilidades de uma ordem global já abalada por conflitos e crises econômicas recentes.
Entre as principais medidas adotadas estão:
- Aumento brutal das tarifas sobre produtos chineses, europeus e latino-americanos.
- Redução drástica dos repasses financeiros para a OTAN e críticas públicas à aliança.
- Aproximação tática com líderes autoritários, priorizando acordos bilaterais de curto prazo.
- Reforço das políticas anti-imigração, incluindo novas restrições para países da América Central e Ásia.
Essas ações levaram a uma aceleração da fragmentação diplomática e comercial, com aliados históricos como Canadá, Japão, Coreia do Sul e Alemanha buscando alternativas estratégicas para reduzir sua dependência dos EUA.
Tarifas e Guerra Comercial 2.0: Rumo à Fragmentação Global
As novas tarifas americanas — algumas superiores a 245% — provocaram retaliações imediatas de parceiros comerciais e paralisaram rodadas de negociações multilaterais. A China, em particular, redirecionou suas cadeias de fornecimento, priorizando acordos com Brasil, Rússia e países do Sudeste Asiático.
A União Europeia, por sua vez, avançou no fortalecimento de acordos comerciais independentes com Austrália, Índia e Mercosul, enquanto busca reduzir sua dependência de tecnologias e energia dos EUA.
A consequência prática é uma fragmentação acelerada da economia mundial, com blocos comerciais rivais ganhando força e a perspectiva de uma década marcada por tarifas, subsídios e disputas assimétricas em setores como energia, tecnologia e agronegócio.
OTAN, ONU e Velhos Pilares Sob Cerco
Outro ponto crítico da política externa de Trump é o enfraquecimento intencional das organizações multilaterais. A redução dos repasses à OTAN e as críticas abertas à ONU refletem uma visão de mundo em que a cooperação internacional é vista como ônus e não como oportunidade.
Na prática, países europeus, principalmente Alemanha e França, já falam abertamente na necessidade de criar estruturas de defesa independentes, enquanto o Conselho de Segurança da ONU enfrenta novo impasse sobre crises como Gaza, Ucrânia e Taiwan.
Mercados, Diplomacia e a Nova Era do Risco Sistêmico
A resposta dos mercados financeiros à nova realidade tem sido de forte volatilidade. O dólar se fortaleceu no curto prazo devido à fuga para ativos considerados seguros, mas analistas alertam para o risco de deterioração a médio prazo caso a guerra tarifária pressione a inflação global e reduza o crescimento econômico.
Na diplomacia, reina a incerteza. Países do Oriente Médio, África e América Latina adotam postura de “não alinhamento” estratégico, buscando benefícios de curto prazo em acordos bilaterais, enquanto evitam se envolver nos confrontos das grandes potências.
O Fim da Ordem Pós-Guerra Fria Acelera e Exige Novo Pensamento Estratégico
Os 100 primeiros dias do segundo mandato de Trump confirmam que a política externa americana não busca mais liderar uma ordem baseada em regras, mas maximizar vantagens imediatas para si mesma. O vácuo de liderança está sendo preenchido de forma desordenada, com riscos enormes para estabilidade econômica, diplomática e até militar.
Para o Brasil e outros países emergentes, o novo mundo exige capacidade de adaptação, fortalecimento de acordos regionais, investimento em soberania econômica e defesa dos próprios interesses com inteligência diplomática.
A era da previsibilidade acabou — e o século XXI entra definitivamente em sua fase de turbulência permanente.
Fontes: Reuters, The Guardian, Financial Times, Bloomberg, Valor Econômico, SCMP, Politico