Produto genuinamente brasileiro e um dos destilados mais antigos do mundo, a cachaça tem merecidamente um dia para chamar de seu. No próximo domingo, 13 de setembro, comemora-se o Dia Nacional da Cachaça, data escolhida para celebrar o sucesso da branquinha, que desde o século 16 desenha contornos da história e cultura nacionais. Goiás é uma peça importante no fortalecimento econômico dessa bebida, figurando entre os dez estados com mais estabelecimentos produtores de cachaça registrados, segundo o último Anuário da Cachaça, publicado este ano, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Apesar da produção estar concentrada de forma intensa na Região Sudeste, a cachaça goiana está ganhando seu espaço. O Estado é o maior do Centro-Oeste em relação ao número de marcas e estabelecimentos, com 114 nomes registrados e 28 estabelecimentos produtores. Quanto ao cenário nacional, o país conta hoje com 4.003 marcas de produtos classificados como cachaça e 701 de aguardente de cana. Conforme o relatório, estão registrados 1.086 produtores, sendo que 165 deles trabalham com cachaça e aguardente; 92 apenas com aguardente; e 729 apenas com cachaça. A cachaça mineira ainda desponta e é responsável pela maioria das marcas, com 1680 rótulos registrados.
“A produção de cachaça em Goiás é pequena, mas significativa, dos pontos de vista de qualidade e distribuição. Nós temos centros de produção muito interessantes”, afirma o engenheiro agrônomo da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), Robson Luís Morais. De acordo com ele, grande parte do destilado consumido no Estado e no Distrito Federal (DF) é proveniente das Regiões Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil. “O grande desafio é conquistar o nosso próprio mercado e o do DF, local importante por apresentar um capital e poder de compra maior. Mas já estamos apresentando uma produção bastante robusta”, avalia.
A demanda é garantida. A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais vendida no país, atrás apenas da cerveja. Em 2018, os brasileiros consumiram 520,9 milhões de litros da “marvada”, o que gerou um faturamento de cerca de R$ 14 bilhões. A procura internacional também é grande, mais de 60 países importam o produto. Com mercado amplo, a produção de cachaça é uma opção viável inclusive para a agricultura familiar, que encontra no meio rural um time fiel e tradicional de consumidores. Além disso as condições climáticas do Cerrado são favoráveis para o cultivo de cana-de-açúcar, o que propicia ainda mais o investimento.
“Temos alta produtividade de cana no Estado, com solo adequado e fértil, e tecnologias de plantio dominadas pelo segmento de agricultura. As técnicas de fermentação, destilação, engarrafamento e a parte de legalização já são procedimentos oferecidos pela Emater”, salienta Robson. É possível ingressar no ramo com uma área pequena para a lavoura. Dois a três hectares de terra são capazes de produzir de 20 a 30 mil litros de cachaça, segundo o especialista. Os produtores podem aproveitar ainda uma série de outros produtos derivados da cana-de-açúcar, como melaço e açúcares, e o bagaço pode servir como alimento para o gado.
Do escritório para o alambique
Em 2015, o engenheiro agrônomo Daniel Augusto Machado, produtor de cachaça assistido pelo Governo de Goiás, por meio da Emater, no município de Uruana, havia se inscrito para fazer um curso de produção de etanol. A ação também oferecia capacitação em produção de cachaça, mas sua intenção era aprender a trabalhar com combustível. Chegando no local, um contratempo envolvendo os equipamentos acabou inviabilizando o curso de etanol, o levando a realizar a outra oficina. Nascia ali uma história de sucesso e amor pela produção da caninha.
Durante a aula, Daniel conheceu os mecanismos do alambique e utilizou o aparelho para produzir sua própria cachaça. Cada aluno poderia levar uma quantidade do produto para casa e o engenheiro engarrafou sua parte, colando na embalagem o adesivo do logotipo de seu escritório de consultoria a produtores rurais. O propósito era apenas presentear familiares e amigos, mas todos gostaram tanto que faltou cachaça para quem quis. O engenheiro enxergou uma oportunidade promissora, dando início à fábrica no ano seguinte ao lado dos sócios Marcelo Ribeiro Pereira e José Antônio Pereira.
“Em Uruana não tinha cachaça de qualidade produzida na cidade. Como eu tenho muito contato com o produtor rural, por causa do meu escritório, sei que esse público geralmente gosta mais de cachaça do que de cerveja”, explica. Daniel e seus sócios começaram com um alambique de 1.200 litros e poucos implementos. Com o tempo, foram ganhando o mercado, alcançando atualmente uma média de produção de 56 mil litros da bebida por ano, obtido em um ciclo produtivo que vai de junho a setembro.
Para o produtor, uma das dificuldades enfrentadas pelo setor é a questão da legalização. Mesmo havendo produtos de qualidade sem registro, em sua opinião, existem em contrapartida muitas cachaças falsificadas nas prateleiras de mercados e bares. “Nisso a Emater é fundamental. Se não fosse o Robson e a assistência técnica, ainda estaríamos engatinhando em termos de registro e produção”, diz. Mercado conquistado, o futuro indica crescimento. Segundo Daniel, há três meses a fábrica está trabalhando na criação de um licor, que já está em fase de registro e deve ser lançado em breve.
Uma dose de história
As primeiras mudas de cana-de-açúcar foram plantadas no brasil pelos portugueses em 1504. Nos anos seguintes, entre 1516 e 1532, começaram a ser erguidos os engenhos para o processamento da cana, sendo o primeiro deles na feitoria de Itamaracá, em Pernambuco. Embora seja impossível apontar com exatidão quando e onde a primeira pinga foi feita, é possível que ela tenha sido destilada nesse período em algum engenho do litoral.
Apesar dos indícios de produção de aguardente de cana no século 16, é somente no século seguinte que se tem o primeiro documento que oferece mais informações sobre as origens do destilado nacional. Está relatado o cálculo de despesas relativas à “augoa ardente”, no livro de contas do Engenho de Nossa Senhora da Purificação de Sergipe do Conde, entre os dias 21 de junho de 1622 e 21 de maio de 1623.
Historiadores apontam que houve, nos anos posteriores, aumento significativo dos alambiques nos engenhos de São Paulo e Pernambuco. Com a descoberta do ouro e pedras preciosas, a cachaça se espalhou de maneira poderosa em Minas Gerais. Algumas lendas dizem que a cachaça transportada para a região mineira era levada em barris, o que deixava a bebida com coloração amarelada por causa do contato com a madeira. Hoje, observa-se que há um predomínio de produção de cachaças brancas nas áreas litorâneas do país, enquanto que em Minas Gerais os produtores optam por armazenar o destilado em barris.
Na zona rural e urbana, de norte a sul do país, a cachaça é um produto consolidado e popularmente conhecido. Nas últimas décadas, medidas importantes têm contribuído para sua valorização e reconhecimento como patrimônio nacional. Nos anos de 1990, o governo federal legitimou a cachaça como produto tipicamente brasileiro, estabelecendo critérios de fabricação e comercialização.
Fonte: Emater GO