O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem o projeto de lei 528/2020, que institui a “Lei do Combustível do Futuro”, que já havia sido aprovado no Congresso.
Com foco na descarbonização e no incentivo a combustíveis “verdes” e menos poluentes, a proposta, agora convertida em lei, inclui aumento do percentual de etanol na gasolina.
O texto estabelece que a margem de mistura de etanol à gasolina passará a ser de 22% a 27%, podendo chegar a 35%. Atualmente, a mistura pode chegar a 27,5%, sendo, no mínimo, de 18% de etanol.
Além disso, a porcentagem de biodiesel irá aumentar 1% ao ano de 2025 até março de 2030, chegando a 20% da mistura com diesel de origem fóssil. Hoje, ela é de 14%.
O aumento do percentual de etanol na gasolina é uma demanda do governo Lula que começou a ser discutida em maio de 2023, quando o Planalto enviou ao Congresso a primeira proposta de lei sobre o tema.
A intenção do governo é atacar dois problemas de uma vez só: reduzir a importação de gasolina e acelerar a transição energética.
Ao mesmo tempo, sempre que se fala na alteração do teor de álcool na gasolina, vêm outras perguntas à cabeça do consumidor: nossos carros estão preparados para essa mistura? O combustível ficará mais barato? A gasolina passará a render menos no tanque?
Consultada sobre o tema em março passado, a Anfavea, associação das montadoras, afirmou que são necessários mais testes para uma avaliação.
“Não vemos problemas para os veículos flex, que já são projetados para qualquer mistura de gasolina e etanol. Porém, para veículos a gasolina, importados ou aqueles nacionais mais antigos, entendemos que testes de avaliação deveriam ser feitos antes de se autorizar o aumento do porcentual de etanol na gasolina.”
Para responder aos outros questionamentos, vamos por partes.
Na questão ambiental, não há dúvidas sobre o ganho que o aumento do uso do etanol trará. De acordo com a Copersucar, líder mundial na comercialização de açúcar e etanol, estima-se que o aumento de três pontos percentuais de etanol na gasolina (de 27% para 30%) elevaria o consumo do biocombustível em aproximadamente 1,3 bilhões de litros por ano, o que evitaria a emissão de mais de 2,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono a cada 12 meses.
O professor Renato Romio, do Instituto Mauá de Tecnologia, concorda nesse ponto, mas explica que é preciso estudar o impacto negativo da nova mistura nos veículos que não são flex, já que os bicombustíveis continuarão a funcionar normalmente com o aumento da presença de etanol na gasolina.
“Não há dúvidas do impacto positivo na redução da emissão de C02, que afeta o aquecimento global. Mas certamente será necessário dedicar um tempo para estudar os veículos que circulam somente a gasolina, como carros mais antigos ou importados. Será preciso entender se o novo percentual pode trazer prejuízos técnicos, como danos às peças e aumento do desgaste, e também o desempenho em relação a emissões de outros poluentes, que poluem localmente a cidade, como NOX, HC e CO”, explica o especialista.
Essa questão foi levantada em 2015, quando o percentual de etanol anidro na gasolina passou de 25% para os atuais 27,5%. Na época, para atender aos modelos importados a gasolina, ficou estabelecido que a gasolina premium continuaria com o percentual de 25%. A solução fez com que a Anfavea recomendasse que esses modelos fossem abastecidos somente com a gasolina premium até que estudos sobre o tema fossem concluídos. No final das contas, foi verificado que a nova mistura não prejudicava os motores 100% a gasolina.
O carro vai consumir mais?
Sobre consumo, a primeira pergunta que fizemos ao especialista Renato Romio foi se seria necessário atualizar a lista de eficiência do Inmetro. A resposta foi não, mas isso não significa que o desempenho não irá mudar. “Os testes do Inmetro são feitos com gasolina E22, ou seja, com 22% de etanol. Não significa que estão errados, porque é necessário estabelecer uma regra e aplicar em todos, a lista serve para avaliar qual veículo é mais econômico e acerta nisso”, esclarece.
Na prática, porém, é esperado que o consumo aumente na proporção da nova mistura.
“Vai aumentar um pouco porque o álcool tem menos energia dentro dele. No entanto, dependendo do preço final do combustível, não necessariamente vai aumentar o gasto. Não sabemos como será a política de preços, mas sabemos que o etanol anidro, usado na mistura, é mais barato que a gasolina, embora mais caro que o etanol hidratado, que é o combustível que encontramos nas bombas”, diz Romio.
E o preço?
Para compor o preço da gasolina, muitas questões devem ser analisadas. Uma delas é o custo da produção. Via de regra, é mais barato produzir etanol, mas há exceções. Em 2021, por exemplo, durante a crise hídrica, chegamos a um momento tão crítico que a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes) sugeriu que o governo reduzisse temporariamente a porcentagem de etanol para 18% – pedido que não foi atendido.
A cotação do etanol – que é um derivado da cana-de-açúcar – depende da disponibilidade da matéria-prima. Ou seja, de safras e entressafras.
“Cabe ao governo monitorar as questões que envolvem oferta e demanda, principalmente nos períodos de entressafra, para proteger o consumidor final que paga pelo produto”, disse a Federação à época. A grande justificativa era a baixa oferta de etanol e, principalmente, a elevação do custo do anidro (misturado à gasolina).
Ainda não é possível falar em preços, pois depende da regulamentação do novo combustível. Mas se a história serve como referência, uma das principais críticas à mudança em 2015 foi que continuamos pagando o mesmo valor por um combustível de produção mais barata.